Todos os trabalhadores ao exercerem suas atividades laborais tem direito a receber a sua contraprestação pela sua força de trabalho. Nesse sentido, este se torna a principal motivação pelo o qual nos dedicamos grande parte de nossa vida ao trabalho.
Essa contraprestação possui muitos efeitos na vida social do trabalhador, que vai desde o seu simples salário básico até os benefícios que o seu empregador lhe proporciona, conglomerando em sua remuneração.
Desta forma, antes de adentrarmos nos reflexos que a Reforma Trabalhista acarretou no âmbito jurídico, faz-se necessário distinguir salário e remuneração, haja vista que a Consolidação determina o salário como base de cálculo para alguns pagamentos, como por exemplo o aviso prévio, e, pagamentos como férias e indenização possuem como base para cálculo a remuneração.
Por este motivo é de suma importância a distinção entre os dois institutos por produzirem efeitos jurídicos nos contratos de trabalho.
Entretanto, ao contrário de outros países, o legislador brasileiro não traz a definição de salário na CLT. Limita-se a apenas indicar seus componentes e a fixar suas regras de pagamento e de proteção, conforme demonstra o artigo 457 e seguintes da Consolidação.
Neste sentido, Amauri Mascaro Nascimento, em sua obra literária, traz alguns exemplos de definições de salário no Direito Estrangeiro.
“O Estatuto dos Trabalhadores da Espanha (Lei nº 8, de 1980, art. 26), que define: “Salário é a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, em dinheiro ou espécie, pela prestação profissional dos serviços por conta alheia, quer retribuam o trabalho efetivo, qualquer que seja a forma de remuneração, ou os períodos de descanso computáveis como de trabalho. Não considera salário as indenizações ou ressarcimentos de gastos consequentes do exercício da atividade profissional, as prestações e indenizações previdenciárias, as despesas de viagens e os pagamentos das suspensões do contrato e direitos dispensa dos empregados. A Lei Federal do Trabalho do México (1970, art. 82) define também o salário e o faz como sendo a retribuição que deve pagar o patrão ao trabalhador por seu trabalho. A Lei do Contrato de Trabalho da Argentina (Lei 20.744, art. 112) dispõe que salário é a contraprestação que deve receber o trabalhador como consequência do contrato de trabalho, e salienta que o empregador deve remuneração ao empregado, ainda que este não preste serviços, pela manutenção da força de trabalho à sua disposição”[1]
Já que em nosso ordenamento jurídico há omissão quanto ao conceito de salário, tal responsabilidade ficou para nossos doutrinadores. Que tiveram algumas dificuldades para esta conceituação, haja vista que, inicialmente definiram como contraprestação do trabalho. Contudo, logo percebeu-se que, não era só mediante contraprestação do trabalho que o empregado recebia salário, recebia também em algumas situações denominadas interrupções do contrato de trabalho, pois o legislador contemplou o pagamento de salário para tais interrupções, que, mesmo sem a prestação do trabalho, como por exemplo durante as férias, o empregado terá direito ao salário.
Antes de entrar na definição que os doutrinadores trouxeram para o salário no âmbito jurídico, necessário ressaltar que fatores diversos fomentaram inúmeras formas de pagamento de contrato de trabalho, tornando incontroverso que além do salário-base há modos diversificados de remuneração do empregado. No entanto, tais modos não desnaturam sua natureza salarial, como por exemplo o vale refeição (salário utilidade).
Nesse sentido, exemplificando temos a Súmula nº 241 do TST que determina que “o vale refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado para todos os efeitos legais. ” (g.n)
Na economia, salário nada mais é que a contraprestação do trabalho – conjunto de força dos empregados utilizada pelo capital.
Já no âmbito jurídico do contrato individual de trabalho, sua definição tem o objetivo de designar, dentre dois tipos de pagamentos resultantes do mesmo, indenizações e salários, e, consequentemente, onde se enquadram, se nesta ou naquela.
Como já informado, tal finalidade se faz necessária em razão dos reflexos que a natureza salarial possui. Pois, todo pagamento que tiver a natureza salarial será sobrecarregado com encargos à Previdência Social e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, bem como será utilizada como base para cálculo de outras obrigações trabalhistas devidas pelo empregador.
Após essa pequena introdução, então qual seria o conceito de salário?
Para Amauri Mascaro Nascimento salário é:
“… o conjunto de percepções econômicas devidas pelo empregador ao empregado não só como contraprestação do trabalho, mas, também, pelos períodos em que estiver à disposição daquele aguardando ordens, pelos descansos remunerados, pelas interrupções do contrato de trabalho ou por força de lei. ”
Informando também que,
“Nem todas as utilidades fornecidas pelo empregador ao empregado têm natureza jurídica salarial. Não tem natureza salarial as indenizações, a participação nos lucros, os benefícios e complementações previdenciárias e os direitos intelectuais”[2]
Segundo Mauricio Godinho Delgado, salário pode ser conceituado como:
“…o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em decorrência da relação de emprego. ”[3]
Já para remuneração, o legislador infraconstitucional traz o seu conceito na própria redação do artigo 457 da CLT, como vemos abaixo:
“Art. 457, CLT – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. ”
Desta forma, percebe-se que o legislador explicitamente define que remuneração é o conjunto de todos os ganhos que o trabalhador recebe do seu empregador, incluindo, portanto, o salário e outras vantagens estipuladas em seu contrato de trabalho.
Portanto, até a reforma trabalhista, tínhamos que a remuneração era composta pelo salário mensal fixo e também pelas gratificações ajustadas pelo contrato individual do trabalho, pagas pela contraprestação ao serviço prestados do empregado.
E já definido pela jurisprudência que essa gratificação ajustada eram os valores acordados em contrato e aqueles habitualmente pagos, tais como bônus anuais. Sendo assim, tais gratificações compunham a remuneração do empregado, integrando a base para cálculo de encargos trabalhistas e previdenciários. Como por exemplo a Súmula nº 203 do TST que determina:
“Gratificação por tempo de serviço. Natureza salarial – A gratificação por tempo de serviço integra o salário para todos os efeitos legais. ”
Contudo, a Lei 13.467/2017 (a Reforma Trabalhista), alterou o conceito de natureza salarial de algumas importâncias que compunham a remuneração do empregado.
Nesse sentido, a nova redação do §1º do artigo 457 da CLT alterou o termo gratificações ajustadas para gratificações legais. Como também o novo §2º, que determina que não integram a remuneração para fins trabalhistas e previdenciários as importâncias, ainda que habituais, pagas a título de prêmios.
Já o novo § 4º explicita o entendimento do legislador de que prêmios são “as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”.
Portanto, percebe-se que houve uma alteração conceitual, no qual a gratificação passou a não ser mais de natureza salarial, destinando-se a estimular, agradar, ou ainda, compensar maior responsabilidade do empregado, enquanto que o prêmio, definido no §4º do artigo 457 da CLT, tem a finalidade de prestigiar o desempenho do empregado, ou seja, a atividade desempenhada acima do ordinariamente esperado, excepcional.
Desta forma, a Reforma Trabalhista determinou que tais valores pagos pelo empregador não integram mais a remuneração para fins trabalhistas e previdenciários.
Com isso, abriu o precedente para alguns questionamentos jurídicos e calorosos debates.
Para Maurício Godinho Delgado, as modificações que o legislador fez através da Lei 13.467/2017, no artigo 457 da CLT e no artigo 28, §§ 8º e 9º da Lei nº 8.212/1991 (Lei da organização e do Plano de Custeio da Seguridade Social) indica no sentido de enfraquecer a tradicional relevância do salário no contrato de trabalho, mediante a artificial atribuição de natureza não salarial a parcelas que seriam, por sua própria natureza, nitidamente salariais.
Discorre ainda que a Reforma Trabalhista procurou reduzir o custo trabalhista e previdenciário do empregador, em detrimento da diminuição dos ganhos trabalhistas e previdenciários do empregado, além de rebaixar a arrecadação da Seguridade Social no país, colaborando, inapelavelmente, com o déficit público do Brasil – Alegando que tal modificação é “efetivamente extremada e nitidamente antissocial. ”[4]
Contudo, embora a leitura gramatical e literal das novas regras jurídicas em um primeiro momento cause efeitos negativos, a interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica atenua em parte tais efeitos.
Partindo do princípio que o salário consiste no “conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em função de contrato de trabalho”, como assim entende Maurício Godinho Delgado, e, que são um “complexo de parcelas” para José Martins Catharino, subentende-se que tais parcelas possuem caráter contraprestativo. Desta forma não há porque não ostentar natureza salarial se são pagas pelo empregador ao empregado em decorrência da existência de contrato e por ser contraprestativas.
Para alguns doutrinadores, o rol de parcelas componentes do salário, segundo a nova redação do §2º do artigo 457 da CLT é meramente exemplificativo.
Maurício Godinho Delgado entende que é evidente que, as gratificações ofertadas pelo empregador ao empregado, com habitualidade, apresentam nítida natureza salarial – ao invés de apenas gratificações especificadas em lei. Exemplificando ainda, a gratificação de quebra de caixa, as gratificações semestral ou anual.
Compartilho da mesma opinião do nobre doutrinador, pois entendo que tais parcelas já são comuns em algumas searas trabalhistas e que a sua contraprestação é eivada de natureza salarial, seja ela habitual ou não. Sendo certo que entendimento diverso acarretará grandes prejuízos sociais ao empregado e ao Brasil, visto que a balança não se equilibra quando fica claro o favorecimento aos empresários em detrimento dos ganhos trabalhistas e previdenciários do empregado. Sendo assim, fica a questão, será que se houvesse primeiro a reforma tributária, amenizando a carga tributária, seria necessário reduzir os custos trabalhistas do empregador desfavorecendo o empregado?
Frente a este cenário que o legislador proporcionou com a lei 13.467/2017, entende-se que esse assunto ainda renderá muitas discussões para pacificar tais controvérsias, já que o entendimento majoritário e inclusive do próprio TST através de suas Súmulas é que tais parcelas que integram a remuneração do empregado possuem natureza salarial.
Por fim, para melhor elucidar a questão, a tabela demonstra quais parcelas passaram a compor as verbas salarias e as indenizatórias.
Autora do Artigo: Natália Maria Broleze, OAB/SP: 426.686
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