Pode soar estranho este questionamento, mas podemos dizer que sim, a lei brasileira autoriza o “inventário” ou “partilha” ainda em vida, não utilizando, claro, estas mesmas expressões pois, legalmente falando, não existe “herança de pessoa viva”.

Contudo, está “partilha dos seus bens em vida” acaba sendo possível, em algumas hipóteses.

A primeira dessas possibilidades é através do testamento. Veja que, em vida, o interessado pode partilhar seus bens na forma que desejar como ato de última vontade.

O art. 2018 do Código Civil prevê justamente esta possibilidade:

Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.

Entretanto, como podemos verificar no texto de lei, uma importante observação a fazer é que esta liberdade não é plena pois o interessado só pode dispor sobre seu patrimônio desde que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.

E o que seria a legítima dos herdeiros necessários? O art. 1846 do Código Civil responde a esta pergunta:

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

Assim, se a legítima representa a metade do patrimônio da herança, isto significa que o interessado só pode dispor em testamento apenas sobre a outra metade livre do seu patrimônio.

Em um exemplo prático, se uma pessoa tem como patrimônio 4 casas no valor de R$ 500.000,00 cada, totalizando um patrimônio de 2 milhões de reais, como ato de ultima vontade, o interessado só poderá partilhar e dispor para qualquer pessoa apenas metade do seu patrimônio, ou seja, 2 de suas 4 casas pois as outras serão obrigatoriamente reservadas para seus herdeiros necessários.

E quem são os herdeiros necessários?

Conforme art. 1845 do Código, são herdeiros necessários descentes, ascendentes e o cônjuge.

Outra forma de partilhar seus bens ainda vivo é justamente doando em vida aos seus herdeiros necessários, como se fosse um “adiantamento” da herança.

Sobre isso assim estabelece o art. 544 do Código Civil:

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança

Veja que essa forma de “inventário em vida”, nada mais é que uma consequência de quando o beneficiário de uma doação é um dos futuros herdeiros. A ideia deste artigo de lei é justamente proteger os demais herdeiros não beneficiários com a doação e evitar que, antes do óbito, o autor da futura herança queira apenas privilegiar apenas um dos herdeiros em detrimentos dos outros.

Por isso a lei dá como consequência que neste tipo de doação, em verdade, acaba havendo um “adiantamento da herança” ainda em vida.

Lembrando que, doação para terceiro, justamente por não ser herdeiro, não se enquadra nessa hipótese, mas, da mesma forma que no testamento, o interessado também só poderá doar em vida o limite da metade do seu patrimônio, justamente para não prejudicar a legítima pertencente aos herdeiros necessários.

Por fim, uma outra forma de partilhar em vida é através do planejamento sucessório, que nada mais é que a adoção de estratégia para transferência de seus bens após sua morte, que pode envolver não só as duas primeiras hipóteses citadas acima (testamento e a doação como adiantamento da herança), como também pode envolver até um planejamento através de tratativas com os futuros herdeiros sobre a melhor forma de partilhar os bens, com a participação do próprio autor da futura herança ainda em vida.

O planejamento sucessório, por este motivo, acaba sendo uma das melhoras formas de prevenção de conflito entre os herdeiros, evitando possíveis instaurações de inventários litigiosos que muitas vezes se perduram por anos no Poder Judiciário.

Por isso é sempre importante, nesses casos, consultar um advogado especializado na área de família e sucessões para auxiliar no planejamento sucessório do seu patrimônio ainda em vida.

Dr Saimon Cardoso
Membro da Comissão Especial da Advocacia de Família e Sucessões da OAB/SP
Sócio Fundador do Escritório Sá & Cardoso Sociedade de Advogados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *