NOVA LEI n.º 13.786/18 QUE REGULA O DISTRATO IMOBILIÁRIO – QUAIS OS NOVOS PERCENTUAIS DE DEVOLUÇÃO? A NOVA LEI PREJUDICA O CONSUMIDOR?
Em 27/12/2018 foi sancionada a nova Lei n.º 13.786/18, que regula a resolução do contrato de compra e venda de imóvel.
Por mais que tenha havido segurança jurídica nestes casos e que promete frear a crise imobiliária que afundou diversas construtoras, a lei não agrada a todos, especialmente o consumidor.
Para melhor entendermos as novidades desta lei, vamos fazer um breve comparativo de como era antes da lei e como será a partir de agora, especificando os procedimentos nas hipóteses de distrato (“sem justa causa”) e nas rescisões por inadimplência da incorporadora (“com justa causa”).
Tratando das hipóteses de pedidos de rescisão por parte do consumidor, ou seja, quando é motivado por uma inadimplência contratual da construtora (via de regra atraso na entrega do imóvel), antes da lei a jurisprudência era unânime em condenar as construtoras a devolver 100% dos valores pagos. Tanto que houve até mesmo uma uniformização quanto ao tema, dando origem a súmula 543 do STJ que dispõe exatamente nesse sentido.
Além disso, havia ainda alguns julgados que ainda entendia ser cabível, além de a devolução integral, condenar as construtoras ao pagamento de multa contratual pelo atraso da obra e indenização pela ocupação da posse do bem no período inadimplente, que chamamos de “lucros cessantes” (geralmente equivalente ao valor de um aluguel por mês de atraso).
Com a nova Lei 13.786/18, para o bem do consumidor, foi regulamentado o direito de devolução de 100% sobre os valores pagos. Entretanto, os benefícios ao consumidor terminam por aí.
Começar pelo prazo. Antes da nova lei, o Poder Judiciário determinava a obrigação de devolver a quantia integral paga imediatamente. Ou seja, a mora (dever de pagar) era constituída desde a notificação extrajudicial. Já com a nova lei, a construtora pode se valer de um prazo de 60 dias contados da resolução para ser obrigada a devolver o valor.
Outro ponto que favorece a construtora é o índice de correção a ser aplicado sobre o valor a restituir. Antes da lei, os valores eram corrigidos pelo IGPM ou mesmo por índices de correção próprio do Tribunal do Estado. Agora, a nova lei determina que a correção a ser aplicada é a prevista no contrato, sendo que, sabemos que via de regra o índice convencionado é o INCC, que é um índice de baixa correção comparada com os demais índices, onde muito vezes sequer acompanha a inflação da moeda. O que prejudica o consumidor.
Com relação a indenização pela ocupação do bem (lucros cessantes) tivemos algumas alterações. A boa notícia ao consumidor é que foi regulamentada, não dependendo mais do convencimento do juízo para aplica-la. Porém, tal conquista não é de se comemorar.
Primeiro porque essa indenização só é possível em caso de o consumidor optar em permanecer com imóvel. Isto é, se a intenção for desfazer o contrato, não haverá esse direito, contrariando alguns julgados que concediam a indenização ainda que houvesse desistência da compra.
Segundo porque a indenização prevista na nova lei é de 1% sobre o valor efetivamente pago à incorporadora por mês de atraso, e não sobre o valor do imóvel. Na prática, fica prejudicado o consumidor a indenização que visava justamente reparar pelos prejuízos de não estar na posse, onde seria mais adequado a fixação com base no valor de aluguel que 1% sobre o valor pago (já que geralmente nessa altura o consumidor não teria pago mais que 1/3 do bem).
Terceiro porque, novamente contrariando alguns julgados, a nova lei vedou expressamente a hipótese de acumular a indenização por lucros cessantes com a multa eventualmente existente no contrato por atraso da obra. Segundo os Magistrados favoráveis ao acumulo desses pedidos, tal hipótese é possível já que se trata de pedidos de natureza diversa, sendo os lucros cessantes de natureza “reparatória” e a multa contratual de natureza “penalizadora” em face da violação contratual. De todo modo, neste ponto, diferente dos outros casos, os julgados já são mais divididos, tanto que hoje ainda tramita no STJ um Recurso Especial em Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas, visando justamente decidir se é válida ou não a acumulação dos dois pedidos.
Agora vamos falar sobre as hipóteses que há mero arrependimento e desistência da compra do imóvel sem justo motivos.
Se com relação as rescisões motivadas pelo atraso da obra, o consumidor não teve muitos motivos para celebrar, tão pouco terá quando não tiver justo motivo para desfazer o negócio.
Antes da lei, por mais que as construtoras tentassem impor suas abusivas clausulas com altíssimos percentuais de retenção (já houve notícias de contratos prevendo retenção entre 70% e 80% sobre o valor pago por exemplo), quando chegava na esfera judicial, o direito de retenção variava entre 10% a 25%.
Pois bem, a nova lei finalmente regulamentou essa “lacuna” que existia em nosso direito, mas o limite do percentual de retenção previsto legalmente, contrariando o Judiciário, ficou em 50% nos casos de imóveis submetidos ao regime do patrimônio de afetação, enquanto os demais casos, a limitação do percentual de retenção é de 25%.
Esse regime de patrimônio de afetação nada mais é que a segregação patrimonial dos bens da incorporadora visando assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência da incorporadora.
Em outras palavras, estando o empreendimento, assim como, os recursos pagos pelos adquirentes, separados do patrimônio comum da incorporadora, a nova lei entendeu por bem dar maior “punição” ao comprador desistente sem justo motivo, concedendo direito de retenção à incorporadora de até 50%, sob o fundamento de proteger os demais adquirentes de eventual risco de inviabilidade de finalização da construção.
Claro que, por mais que possa parecer louvável a intenção de lei de proteger os demais adquirentes com relação aos imóveis sob o regime de patrimônio de afetação, a possibilidade de retenção de metade do valor pago pelo consumidor, sem dúvida alguma, já está sendo alvo de fortes críticas por parte da doutrina e pela sociedade por representar, em tese, “enriquecimento ilícito” por parte das construtoras.
Outro ponto importante a destacar é a regulamentação da legalidade da clausula de tolerância de até 180 dias. Apesar de representar mais uma derrota ao consumidor, tal entendimento já era pacífico em nossa jurisprudência, não tendo assim mudança pratica acerca deste assunto.
Por fim, ultimo a ponto a ressaltar, que também já representa uma derrota pacifica aos consumidores anteriormente a lei, é a regulamentação de que a comissão de corretagem não poderá fazer parte da base de cálculo do valor a ser restituído em caso de desistência sem justa causa. Por outro lado, em caso de desistência motivada por atraso da entrega do imóvel, a lei não deixa claro, dando possibilidade ao consumidor de buscar tal direito judicialmente, cabendo ao juízo decidir a respeito.
O único ponto que ainda gera dúvidas na doutrina e na jurisprudência é sobre a possibilidade ou não de sua aplicação imediata sobre os contratos anteriores a esta lei. A tendência, a priori, conforme os primeiros julgados que estão surgindo, é que a aplicação só ocorra a partir dos contratos com assinatura posteriores a data que a lei foi sancionada, isto é, em 28/12/2018. Até mesmo porque, a lei não poderia retroagir, já que seria prejudicial ao consumidor. De tal modo, contratos anteriores a esta data, em tese, podem ser resolvidos judicialmente sob a orientação da jurisprudência anterior a lei.
Analisando tais alterações com a vigência desta nova lei, natural que estas novidades estejam causando muita polêmica.
Isto porque, por um lado existe uma enxurrada de críticas em razão dos diversos pontos que prejudicam os consumidores, contrariando inclusive julgados predominantes em nosso Poder Judiciário.
E por outro lado, para quem entende o contrário, a nova lei trouxe maior segurança jurídica que, por mais que não traga vantagens diretamente aos consumidores, a sua aplicação poderá trazer benefícios indiretos com a melhora da economia no ramo imobiliário, fazendo com que as incorporadoras tenham folego para se recuperar da forte crise econômica desde 2015, e volte aquecer o mercado de venda de imóveis, dando segurança para realização de novos empreendimentos, gerando novos empregos, moradia com melhor custo e segurança jurídica aos próprios adquirentes que, por estar regulamentado em lei, não precise (via de regra) se socorrer do Poder Judiciário para buscar seus direitos em caso de resolução do contrato.
Quais desses dois lados tem razão, só o tempo irá dizer.
Autor do Artigo: Dr. Saimon Cardoso – OAB/SP n.º 258.843
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